sábado, 14 de maio de 2011

Os segredos da Maçonaria

Vamos fazer um acordo: eu conto um segredo e você, portaleiro, promete não revelá-lo a ninguém. Antes de topar o trato, você precisa saber que os outros que lerem este tópico  conhecerão o mesmo segredo. Mas elas também se comprometerão a ficar de bico fechado. Agora, cá entre nós: quais as chances de nenhum dos envolvidos quebrar o trato e contar o que ficou sabendo para a patroa que por sua vez vai contar para a irmã, que vai dividir a novidade com as amigas do salão de beleza e daí para o mundo? Você apostaria na possibilidade de mantermos o tal segredo em sigilo?

Na cabeça de muita gente, a maçonaria foi capaz dessa proeza. Uma tarefa árdua. Os integrantes da mais conhecida entre as organizações secretas guardariam um grande segredo bombástico, revelado somente para quem concorda em ser iniciado numa sessão cercada de mistério. Em nome da honestidade jornalística, é preciso dizer logo no início da reportagem que se os maçons escondem um informação dessas capazes de mudar o rumo do mundo, este repórter e os estudiosos mais influentes do tema foram incapazes de descobrir do que se trata. Por outro lado, são vários os rituais, símbolos e conchavos políticos que deveriam ficar restritos às 4 paredes (obrigatoriamente sem janelas) de um templo maçônico, mas que estão descritos nas próximas páginas. Segredos e histórias que foram reveladas a gente graúda como Benjamin Franklin, Simón Bolívar, pelo menos 17 presidentes americanos e D. Pedro I que entre os maçons brasileiros atendia pelo exótico apelido de Guatimozim. Nas próximas páginas, você se juntará a eles.

A história

Para quem gosta tanto de segredos, nada melhor do que começar a própria história com um relato misterioso e que não pode ser comprovado. A origem da palavra maçom está no inglês, mason, que quer dizer pedreiro. Por isso, é forte a crença de que os primeiros integrantes da organização davam duro em canteiros de obras do passado. A lenda mais famosa conta que a origem da maçonaria está na construção do grande templo de Salomão, em Jerusalém, narrada no Velho Testamento. Durante a obra, Hiram Abiff, o engenheiro-chefe, foi assassinado por 3 de seus pupilos. O motivo do crime é nebuloso, mas envolveria segredos de engenharia guardados por Hiram e uma disputa por promoções de cargo. O fato é que Hiram foi para o túmulo, mas não revelou o que sabia. Além de mártir, virou exemplo de bom comportamento maçônico. Para muitos maçons, é aí que começa a sua história, apesar de existir quem defenda que Moisés, os construtores da Torre de Babel e até Deus são maçons afinal, o todo-poderoso não construiu o mundo em 6 dias?

Outra tese, também sem comprovação, é defendida por historiadores maçônicos como Christopher Knight e Robert Lomas e aponta a maçonaria como herdeira direta dos poucos cavaleiros templários que não foram trucidados por ordem do papa e do rei da França entre 1307 e 1314. Pesquisadores independentes, porém, acreditam que a origem da maçonaria moderna estaria nas corporações de ofício, espécie de sindicatos da Idade Média. Especificamente na corporação dos pedreiros, que reunia alguns dos trabalhadores mais qualificados da Europa gente que construía catedrais gigantescas, como a belíssima abadia de Westminster, na Inglaterra, que recebe fiéis até hoje. Como esses truques profissionais significavam bons salários, era natural que os masons cultivassem o hábito de mantê-los em segredo. Ficou conhecida como maçonaria operativa esse período em que os integrantes da ordem colocavam a mão na massa.

Entre os séculos 16 e 17, as técnicas de construção começaram a perder valor e as corporações mudaram o tom das reuniões. Especialmente na Grã-Bretanha, elas ganharam traços de alquimia e rituais simbólicos. Também se abriram para quem não trabalhasse com construção, mas topasse guardar segredo sobre o que acontecia nos encontros. Começou a fase da maçonaria especulativa, voltada para o conhecimento filosófico que dura até hoje.

O crescimento atraiu nobres. Era chique participar daqueles encontros com ar de sarau secreto. Os antigos trabalhadores, por sua vez, adoravam estar ao lado da nobreza. Em cidades da Inglaterra, surgiram lojas (como são chamados os grupos de reunião) e, em 1717, 4 delas se reuniram para fundar a Grande Loja de Londres, o Vaticano da maçonaria, até hoje a mais importante instituição mundial da ordem. 5 anos mais tarde foi escrita a Constituição de Anderson, texto redigido pelo maçom James Anderson que colocava no papel todas as normas e rituais transmitidos oralmente. As lojas escolheram também seu primeiro grão-mestre, um sujeito chamado Anthony Sayer, que estava longe do glamour que o cargo teria no futuro, quando seria ocupado até por herdeiros do trono inglês. Quando morreu, Sayer era um simples vendedor de livros em Covent Garden, região de Londres que até hoje é sede de uma feirinha dessas com jeitão alternativo.

Idéias

Mas o que esses homens faziam e ainda fazem em suas reuniões? Basicamente, discutem o caminho que o planeta deve tomar. E o rumo proposto é o da Luz, como eles se referem ao pensamento racional. A idéia é que se cada indivíduo refletir sobre suas atitudes e buscar sempre o caminho do bem e da perfeição, a sociedade vai caminhar naturalmente para o progresso. É uma filosofia, uma maneira de encarar o mundo, que foi um bocado revolucionária ao surgir no século 18, época em que reis controlavam o corpo e a Igreja, as mentes das pessoas. Para debater idéias, maçons criaram uma série de regras e tradições o historiador inglês Eric Hobsbawn diz que o período do surgimento da maçonaria especulativa foi especialmente rico no que ele chama de invenção de tradições, muito por causa das rápidas transformações que a sociedade vivia com mudanças nos costumes sociais e na divisão do poder. Foi nessa mesma época que surgiriam outras organizações do tipo, como a Rosacruz e a Iluminati .

A maçonaria, que acabaria sendo a mais forte e poderosa de todas, se desenvolveu como uma fraternidade que funciona como Estado, com hierarquias e legislação. E cada maçom tem liberdade de pensamento. No fundo, a maçonaria não é uma, são várias. E ao contrário do que muitos pensam, a ordem não formou um grupo uniforme. Cada país teve autonomia para definir seus rumos e caminhos, o que fez a ordem ter inclinações diferentes ao redor do globo: na Inglaterra e no Brasil, era ligada à aristocracia política; na França, anticlerical e pragmática; na Itália, revolucionária.

Diferenças entre as maçonarias existem. Mas também há muita coisa em comum em especial, as regras e os rituais. Ser admitido na maçonaria, por exemplo, requer paciência em qualquer lugar do mundo. O candidato precisa ser convidado por um maçom, passar por entrevistas e ter a vida investigada por integrantes da ordem. São aceitos apenas homens que acreditam em Deus, têm pelo menos 21 anos e nenhuma deficiência física.

As sessões acontecem em templos cheios de simbologia. Entrar num templo maçônico é mergulhar num espaço codificado, diz o sociólogo José Rodorval, da Universidade Federal de Sergipe e autor de uma tese de doutorado sobre a maçonaria. O templo não tem janelas e a entrada é voltada para o ocidente, onde a pintura é mais escura. No outro extremo, o oriente é mais claro para a maçonaria, é dali que vem o conhecimento. É nessa área também que fica o altar de onde a autoridade mais alta comanda a sessão. Nas paredes, há 12 colunas, uma corda com 81 nós e outros símbolos como as pedras bruta e polida, que representam os momentos pré e pós-iniciação.

Durante as cerimônias, os homens vestem aventais para venerar o Grande Arquiteto do Universo, como eles se referem a Deus. Mas um Deus tratado dentro dos valores de tolerância religiosa do deísmo, tradição que recusa a idéia de que uma instituição tem o poder para fazer a ligação com o divino. E por isso um maçom pode ser judeu, católico, muçulmano. Nas sessões, Deus tem um nome específico. Esse nome é um dos segredos mais bem guardados da maçonaria, diz o historiador Jasper Ridley, que escreveu The Freemasons (Os Maçons, sem tradução em português). Mas Ridley entrega o ouro: o criador é chamado de Jahbulon, uma corruptela que reúne os nomes sagrados de Jeová, Baal e Osíris.

Essas reuniões religiosas misteriosas, adivinhem só, colocaram a maçonaria em rota de colisão com o Vaticano. Tanto que 2 bulas papais condenando a ordem chegaram a ser emitidas por Clemente 12 e Bento 14. Como outros governos, o Vaticano também se molestava com a atmosfera de segredo com a qual se cercava a maçonaria, diz o historiador espanhol Jose Benimeli no livro Maçonaria e Igreja Católica. A tensão hoje é menor, mas ainda existe. Em 1983, quando comandava a Congregação para a Doutrina da Fé, o hoje papa Bento 16 publicou a Declaração sobre as associações maçônicas. O texto não deixa dúvidas: Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em pecado grave, escreveu.
Revoluções e conspirações

O Vaticano é apenas um dos desafetos da maçonaria. Ao longo da história, a ordem colecionou inimigos com a mesma força que manteve seus segredos as 2 coisas, aliás, sempre estiveram diretamente ligadas. Pense na seguinte situação: sua vizinha está promovendo reuniões semanais na casa dela, mas não permite que você participe. Mais do que isso, ela se recusa a revelar o que está sendo discutido lá dentro. Se você tiver um mínimo instinto de paranóia e a maioria de nós tem vai achar que a dona está tramando contra você. A mesma lógica funciona para os maçons. Muitas das acusações contra a fraternidade começaram com perguntas do tipo se é tudo boa gente, então por que raios eles não revelam o que estão fazendo?

Assim, manter segredo mostrou-se uma ótima maneira de atrair desconfianças. Mas a verdade é que para além do mistério existe o fato de que as lojas maçônicas serviram, sim, de espaço para a agitação política. Seus ideais espelhados no iluminismo inspiraram e muitos de seus integrantes se engajaram em revoluções que chacoalharam o mundo, derrubaram governos e cortaram cabeças coroadas. Ser maçom nos séculos 18 e 19 era um pouco como ser de esquerda no começo do século 20. Em geral, eram pessoas liberais, receptivas a novas ideologias e preocupadas em reorganizar a sociedade, diz Andrew Prescott, diretor do Centro de Estudos da Maçonaria da Universidade de Sheffield, na Inglaterra. A conseqüência óbvia dessa atuação foi que a ordem freqüentou os primeiros lugares da lista de maiores inimigos das monarquias absolutistas. O efeito colateral indesejado foi que quanto mais a maçonaria era acusada de conspiradora pelos líderes aristocratas, mais ela se fortalecia. É uma espécie de autoprofecia que se cumpre. Se as lojas maçônicas eram apontadas pelos inimigos como o lugar em que revoluções eram planejadas, então era lá que os jovens revolucionários queriam estar, afirma Jasper Ridley.

A Revolução Francesa, por exemplo, fez da visão de mundo maçônica (liberdade para adorar qualquer deus, igualdade entre nobres e plebeus e fraternidade entre os membros do mesmo grupo) o mote do novo país que pretendia construir. E transformou uma música originalmente composta e cantada na loja maçônica de Marselha, em hino nacional rebatizado de La Marseillaise, A Marselhesa. Segundo Ridley, porém, são exageradas as afirmações de que a maçonaria liderou a revolução. Marat, ideólogo de uma das alas mais radicais da revolução, e La Fayette, o militar aristocrata que aderiu ao movimento popular, eram maçons. Mas Danton e Robespierre, os 2 mais importantes líderes da França após a revolução, não.

Mais ativa foi a influência na independência americana. Pelo menos 9 das 55 assinaturas da Declaração de Independência vinham da maçonaria, assim como um terço dos 39 homens que aprovaram a primeira Constituição do país. Benjamin Franklin, um dos principais articuladores da independência, era maçom até o último fio dos poucos (mas longos) cabelos que tinha. E George Washington, líder dos rebelados, teria aparecido de avental maçônico na cerimônia de lançamento da pedra fundamental da cidade que leva o seu nome. Hoje, há quem afirme que durante sua construção a capital americana foi recheada de símbolos maçônicos  e, no mercado editorial, especula-se que a arquitetura da cidade será o ponto de partida para o próximo livro de Dan  Brown O Código da Vinci. Talvez o autor também dê nova explicação para as imagens que decoram a cédula de 1 dólar, como o olho que tudo vê e a pirâmide luminosa, que parecem inspiradas na maçonaria uma ligação que nunca foi admitida pelos desenhistas da nota.

Ventos maçônicos também foram sentidos na América do Sul. Na loja Lautaro, que tinha braços espalhados pelo continente (o nome é homenagem ao índio que liderou uma revolta contra os espanhóis no século 16), costumavam se reunir Simón Bolívar, José de San Martín e Bernardo OHiggins, todos líderes da independência no continente. No Brasil, eram integrantes, entre outros, José Bonifácio de Andrada e Silva, o barão do Rio Branco e o príncipe regente e depois imperador Pedro I. Apelidado de Guatimozim, nome do último chefe asteca, D. Pedro teve ascensão meteórica na fraternidade. Foi iniciado em 2 de agosto de 1822 e promovido a mestre 3 dias depois. Menos de 2 meses mais tarde, já era grão-mestre da ordem no Brasil, cargo máximo que poderia atingir. Na mesma velocidade, passaram-se apenas 17 dias até que, já imperador, ele proibisse as atividades maçônicas no Brasil. A maçonaria é uma fraternidade e durante as sessões todos se tratam por irmãos e são iguais. Quando percebeu que nesse círculo ele poder ter seu poder questionado e não seria apenas o imperador, D. Pedro deixou a ordem e proibiu seus trabalhos, diz o historiador Marco Morel, da Uerj.

Nada que tenha afastado os irmãos das atividades políticas. Pior para os sucessores de Guatimozim: legalizada em 1831, grande parte da maçonaria se aliou ao movimento abolicionista, anticlerical e mais tarde republicano para forçar a queda da monarquia no Brasil. Apesar de existirem muitos maçons monarquistas e escravocratas, a luta contra o poder da Igreja colocou a organização na linha de frente da defesa de um estado laico, como o estabelecido em 1891 pela primeira Constituição republicana. Para os adversários, foi a comprovação do caráter conspirador da ordem. Os maçons diziam agir dentro de sua filosofia: lutavam por um país mais racional, e com ordem, que só assim chegaria ao progresso.

Os segredos

E o segredo, você deve estar perguntando. Qual é o grande segredo da maçonaria, aquele que aguçou séculos de curiosidade? O segredo consiste de rituais e códigos. São apenas algumas palavras, diz Andrew Prescott, da Universidade de Sheffield. O negócio é que os maçons cultivam com cuidado o silêncio. Quem já viu um texto maçônico sabe disso. As frases tem abreviações aparentemente indecifráveis. Mas a coisa até que é simples. Algumas palavras são reduzidas a sílabas e acrescidas dos 3 pontos em forma de delta o mesmo símbolo que aparece ao lado da assinatura de um maçom. Loj é Loja; Ir é irmão, como os maçons se referem uns aos outros; Prof é profano, ou seja, quem não é da maçonaria. Há palavras reduzidas às iniciais e duplicadas em caso de plural. VVig quer dizer vigilantes; AApr , aprendizes. G A D U é o Grande Arquiteto do Universo. Também é comum ver inscrições que devem ser lidas da direita para a esquerda, numa referência ao alfabeto hebraico. MOCAM, por exemplo, quer dizer maçom.

Existem ainda toques e sinais para quem é da maçonaria. E esses são os mais secretos. No aperto de mãos, por exemplo, maçons se reconheceriam ao encostar o indicador no punho de quem está sendo cumprimentado. Outro sinal para identificação fora dos templos seria passar a mão pelo cabelo, virando-a durante o movimento. E como durante as cerimônias os maçons devem estar sempre eretos, uma maneira de se comunicar em lugares públicos é endireitar a coluna e colocar os pés em forma de esquadro. O abraço maçônico, presente em vários rituais, consiste em colocar um braço por cima e outro por baixo, em X, bater 3 vezes nas costas e trocar de posição outras 3 vezes.

Outra corrente de pesquisadores afirma que o segredo maçônico é uma coisa íntima, que nasce no fundo do coração de cada maçom. Afinal, se para os que estão do lado de fora a maçonaria é uma organização com forte inclinação para a política, para os que estão do lado de dentro tão ou mais importante é o conhecimento intelectual. O segredo é uma espécie de viagem espiritual que o iniciado faz e que dificilmente poderia exprimir-se com palavras. É algo que o maçom guarda para si. Quanto mais velho, mais volumoso é o seu segredo, composto dos resquícios de suas experiências de vida, diz Jesus Hortal, reitor da PUC-RJ, em seu livro Maçonaria e Igreja.

Tantas hipóteses para explicar qual seria o mistério maçônico fez surgir até o grupo dos céticos. Gente como o filósofo John Locke, que sugeriu que o grande segredo guardado pela maçonaria é que não existe segredo nenhum. O que, cá entre nós, seria uma revelação de proporções nada desprezíveis. Mesmo que a inexistência de algum segredo seja o grande segredo maçônico, não é uma pequena proeza manter isso em segredo, afirmou Locke.

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